Chuva, frio e muita empolgação era o que se via no auditório no Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), aonde aconteceu o segundo encontro do Apalpe.
A manhã do dia 10 de julho foi vermelha… Bolsas, chinelos, esmalte, isqueiro, roupas, copo de coca-cola — cada participante levou dez objetos vermelhos que, colocados lado a lado, falavam por si só, tinham vida própria. Os objetos serviram como dispositivo para criação de narrativas pelo grupo — um processo de criação por meio de um objeto externo.
Perseguindo a trajetória traçada no primeiro encontro, procurando encontrar diferenças em gêneros próximos como comédia e circo, por exemplo, o grupo caminhava em direção à descoberta de procedimentos estéticos.Segundo o mediador de criação do Apalpe, definir o procedimento estético é o primeiro passo em direção ao processo de elaboração de conteúdos. “No ato de criação é preciso definir um procedimento estético a partir daquilo que se elege como referência”, observou Faustini.
O vermelho e o negro: exercitando o apalpar
Oito negros apalpando objetos vermelhos ininterruptamente, sem parar. E, nesse processo, criando histórias num fluxo contínuo de narrativa. Esse foi um dos principais exercícios do último encontro do Apalpe.
Tudo começou com a leitura do trecho “Procedimentos aprendidos na estação do Engenho de Dentro”, um exemplo do Guia Afetivo da Periferia em que o procedimento estético é a narrativa a partir do fluxo de consciência.
A sugestão de Faustini foi eleger o fluxo de consciência como procedimento estético para criação de uma série de narrativas a partir dos objetos vermelhos trazidos pelos participantes.
Em seguida, os oito voluntários foram instigados a criar narrativas a partir dos objetos apresentados, que revelassem questões da condição do negro no Brasil. Cada participante dava prosseguimento à história do colega.
Ana Paula Lisboa Lopes, Carlos Augusto Baptista, Jorge Adolfo Freire e Silva, Leandro Santanna, Marcelo Patrocinio, a rapper Combatentte, Renata Freitas e Wilian de Assis Santiago foram os que se aventuraram na empreitada.A proposta de criar narrativas por meio de dispositivos externos, objetos vermelhos, superou as expectativas….
A escova vermelha — o penteado como espaço-tempo
Uma pequena escova de plástico vermelha gerou uma série de narrativas envolvendo o cabelo, revelando a apresentação como postura diante da condição de ser negro.
Adotar um penteado mais clássico, curto, revelava a postura de uma época, na qual a regra era esconder traços que revelassem a negritude?
Ou usar cabelo longo, trançado, estampando os traços étnicos?
O penteado revela a forma como se lida com a negritude.
Questões complexas, colocadas para diferentes gerações de afro-descendentes foram suscitadas por meio da descrição da relação dos participantes com a pequena escova de plástico.
“Quando você se descobriu negro? Essa é uma questão que todos nós nos fazemos em algum momento”, explicou Ana Paula, ao comentar a influência do estilo do Hip-hop no comportamento, no modo de vestir e também de encarar o mundo.
A escova de plástico vermelha atuou como dispositivo, mas não gerou discursos panfletários. “Esta escova me lembrou um garfo de cabelo que meu pai usava em seu penteado black power. Ele penteava seu cabelo com orgulho”, revelou Leandro Santana.
Já Jorge Freire lembrou-se de seu pai, que usava uma escova como essa. “Nós somos de outra geração, que lida diferente com as questões de raça. Usamos tranças e outros penteados. Antigamente, o corte comum era o corte baixinho e a escova era usada para manter o cabelo sempre arrumado”, acrescentou o ator de Queimados.
Essa atividade me fez lembrar o lindo curso da designer Mana Bermardes “A história davida através do objeto”. Realmente a história deles têm muito a dizer.
Tive vontade de mergulhar naquela imensidão vermelha.
Interessante também era o efeito surpresa, pois os participantes iam criando suas narrativas, quando Faustini lhe oferecia novo objeto!!!