Ao ser questionado pela platéia sobre o que pensava acerca da periferia do Rio de Janeiro, Ronaldo Correia de Brito não pensou duas vezes ao afirmar: “O que eu li e o que eu sinto é que aqui também a periferia está muito na música, na produção artística. É muito presente. O morro desce e invade a cidade. Não vou repetir letra de samba e te dizer de onde ele veio”.
O que ficou do encontro com Ronaldo é a certeza de que a cultura se cria, se recria, se transforma e é de todos e para todos. “Hoje me considero um cidadão com direito a todos os bens de cultura do mundo. Seja de onde for”, disse Ronaldo, que levou a platéia a aplaudi-lo de pé quando declarou seu amor ao sertão. “Eu não sou do sertão, porque eu saio do sertão, e no entanto, essa cultura é minha por direito, porque eu a amo. Eu não vou ser um dançarino de preaca, mas eu quero conhecer. Eu não tenho isso nos genes, mas posso perceber isso de mil maneiras. O que eu vou sentir, o que eu vou cheirar, porque eu amo. Se eu não tivesse o sertão, eu não seria o escritor que eu sou. Glauber Rocha diz: ver com os olhos e sentir com o coração. É isso”.
Ele foi além, “O que mais me impressiona na cultura popular é sua alta sofisticação. É a mais alta poesia, a mais alta musicalidade, a mais alta metafísica. O erudito é o popular. Cultos são eles (o povo).”
Adair Rocha, que estava presente, complementou a fala de Ronaldo: “Quero dizer o que significa o Apalpe: é isso tudo aqui. Não é o poder público que faz cultura. É a periferia que na verdade é centro. Temos é que cuidar para aquilo que seja feito lá, seja de fato reconhecido”.
O Apalpe fez da sua segunda noite uma absoluta subversão da ideia de centro e periferia. Mostrou o poder da palavra ao colocar, numa sexta-feira, véspera de feriado, cerca de 200 pessoas para ouvir um escritor. Não tem outro jeito, “nós vamos mudar esta cidade pela palavraa”, como bem disse Heloísa Buarque de Hollanda.