Apalpando com Eduardo Coelho

Eduardo Coelho é doutor em Literatura pela UFRJ

Eduardo Coelho, coordenador da equipe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação
Casa de Rui Barbosa, editor da Azougue, doutor em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em poesia de Manuel Bandeira analisou os textos dos participantes do Apalpe.

Após o encontro com o grupo, conversamos com o editor da Azougue que se revelou um fã do Guia Afetivo da Periferia — livro de Marcus Vinicius Faustini que norteia os trabalhos do Apalpe.
Veja:

Apalpe – Quais foram suas impressões sobre o Guia Afetivo da Periferia?
Eduardo Coelho – Tive as melhores impressões possíveis do Guia Afetivo da Periferia. Essa experiência do Faustini de trabalhar por meio dos meios de transporte, como o trem, a van, o ônibus, funciona muito bem em relação à experiência do homem com a cidade.  Ele capta isso de modo muito subjetivo, como a frase dos vendedores dentro do trem, por exemplo. Ele tem uma sensibilidade lingüística para esses jargões. Ele consegue fazer o trânsito entre o coletivo e individual, particularizando as suas experiências com a cidade. Outro aspecto fantástico é o livro, a todo o momento, mostra a força do desejo. É o cara que tem um desejo, vai atrás e consegue fazer a coisa, não em um sentido heróico, mas no sentido do homem comum, do cara que tem de sair de casa e trabalhar.

O que diferencia o discurso de Faustini daqueles mais comuns, de um pobre que superou as adversidades e conseguiu vencer, presente em obras como “Com licença eu vou à luta”, por exemplo?
O discurso do Faustini não tem nem um traço de vitimação. Ele não se põe como vítima. Isso é bacana também. Ele se coloca numa estatura de alguém que quer alguma coisa, como todo mundo quer. O desejo não é algo de alguém que nasce na periferia. É algo comum a todos. Ele é o cara que poderia dizer que era uma vítima e conseguiu superar os problemas, mas ele não faz isso. Por isso gosto tanto desse trabalho.

E com relação à escrita, quais pontos chamaram a sua atenção?
O discurso do Faustini traz o traço biográfico com elementos ficcionais, mas não conseguimos identificar o que é biográfico e o que é ficcional. E essa é uma das qualidades do livro. Talvez nada seja autobiográfico ou talvez nada seja ficcional. Não temos como afirmar.

Por que você considera o Guia Afetivo da Periferia uma das grandes novidades da Literatura Brasileira?
Ele faz bem o trânsito entre a periferia e o centro urbano. Isso é um ponto interessante. De um modo geral, as narrativas da periferia ficam isoladas na periferia. Ele consegue fazer o trânsito entre uma coisa e outra. A grande novidade que temos hoje, em termos culturais, é esse trânsito. A Zona Sul absorve manifestações culturais da periferia e a periferia também faz essa tomada de coisas da Zona Sul e as transforma. A periferia tem um perfil muito inventivo. Em relação às palavras, por exemplo, a periferia criou a expressão X-Tudo. E é genial. Essa é uma das grandes invenções lexicais dos últimos anos.

Como você compara o trabalho realizado em São Paulo classificado como “Literatura de Periferia” e o “Guia Afetivo da Periferia”?
Eu acho que o Faustini não faz o trabalho da periferia apenas para a
periferia. Ele faz para todo mundo. Essa é a grande diferença. Ele
utiliza uma linguagem mais literária. Enquanto que essa ficção de São Paulo, na verdade, está muito mais apegada ao relato e à crítica social. Essa linguagem da periferia de São Paulo tem uma associação Hip Hop muito forte. E até uma linguagem mais ritmada. Dá impressão de que eles estão absorvendo elementos da poesia e incorporando na prosa. Ela tem mais gíria. A narrativa do Faustini tem muito menos esse recurso da gíria, que acaba estigmatizando o texto como o espaço de uma região específica. Ele não recorre aos jargões da periferia para falar da periferia. Ele mistura as coisas.

E qual foi sua impressão a respeito dos textos dos participantes?
Considero os textos bem feitos demais. Mas, em Literatura, o bem feito não é uma qualidade. Eles ficaram muito apegados à gramática porque, de fato, escrever acaba tendo um peso. Se acontece algum deslize tem sempre alguém para apontar o seu erro. Faltou um pouco perceber que escrever, não necessariamente, é escrever sobre a gramática. É preciso seguir a gramática, obviamente, mas não como se estivesse submetido a uma norma que repreende. Faltou um salto para a liberdade. Mas os textos estão bem escritos, bem pensados. Acredito que é preciso desconcertar um pouco os textos.

O que você achou das temáticas presentes nos textos?
As temáticas são interessantes. Eles conseguem captar bem as suas
experiências afetivas. Mas essas experiências foram pouco desenvolvidas. Esse foi o ponto mais reprimido diante dessa preocupação gramatical com o texto. O trabalho que deve ser feito agora é desenvolver essas questões, tanto do núcleo familiar quanto as questões de fora de casa, da rua, do território urbano.

Sobre alebizoni

Jornalista especializada em Mídia e Educação
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