Uma trajetória que se repete e desdobra em encontros e desencontros. As oficinas de corpo no Apalpe sempre começam pela busca de uma trajetória, numa metáfora da procura da precisão na linguagem.
Com um exercício que se torna mais complexo a cada semana, os participantes são estimulados a interagirem entre si, articulando elementos distintos para encontrar a diferença aonde, aparentemente, existe a igualdade.
Soltar o corpo, buscar novos olhares, descobrir novos parceiros foram orientações dadas no último sábado, dia 31. Para os participantes do Apalpe, a cada encontro, surge uma nova descoberta. “Percebi que o melhor da minha ação era quando havia uma interferência do outro”, observou Ernani Cal.
Durante a atividade, cada um escolheu um par e o acompanhou com o olhar, com movimentos simetricamente invertidos e, logo em seguida, saiu a procura de um terceiro companheiro para dar prosseguimento à caminhada.
Esse procedimento, observou Márcia do Valle, provém do teatro. “Os melhores encontros foram aqueles em que houve olho no olho. Caso contrário, o encontro não acontecia. O Apalpe é teatro”, completou.
Nesse sentido, Ana Ícaro assinalou que permanecer com um mesmo parceiro ao longo do exercício facilitou a sintonia dos movimentos. “Tive a oportunidade de jogar com o Vicente e estabelecemos uma sintonia”.
Para Vicente Duque Estrada, o exercício demonstrou a importância da repetição no ato da criação. “Através da repetição, pude desenvolver naquele encontro algum tipo de sintonia. Assim, tive a oportunidade de procurar a diferença aonde, aparentemente, havia a igualdade”, ponderou.
Diante dessa perspectiva, Marcus Vinicius Faustini, mediador da oficina, destacou a importância da crença em procedimentos estéticos.
“Uma das contribuições do Cinema e da Vídeoarte tem sido a disseminação da crença nos procedimentos estéticos. Vivemos num mundo em que a arte não está mais na sala de espetáculos. Necessitamos de muitas pessoas criando dispositivos”, concluiu.
A criação da platéia como procedimento estético –
Um casal separado por uma parede fazendo performances em dois ambientes simultaneamente. Esse foi o segundo exercício do mais recente encontro do Apalpe.
Os voluntários foram Elisângela dos Santos e Tetsuo Takita.
Antes da entrada do casal, Faustini alerta a platéia: eles estão no mesmo condomínio e têm liberdade para fazer o que quiserem.
Nesse momento, um procedimento estético “organizou” a platéia para acompanhar a performance do casal, assinalou Renata Freitas. “Não existe mais a genialidade. Os artistas criam procedimentos e o repetem. Nesse exercício, Faustini organizou a platéia, criando um procedimento estético que pensa o espaço”, acrescentou Renata.
Faustini ressaltou, ainda, a humildade necessária aos artistas diante dos avanços tecnológicos. “Não existe apenas o lugar do espetáculo. É preciso assumir certa pobreza da arte diante da tecnologia. Meu problema não é o gênio. Meu problema é quem está fora do gênio. Acredito que devemos nos focar apenas na ação”, completou o mediador da oficina.
Tal argumento ilumina o conceito de experimentação com o corpo, o território e a palavra, sobre o qual se estrutura o Apalpe. Ao assumir a fala de um “rapper”, em seu livro “Rap Global”, o sociólogo Boaventura Santos, assinalou Faustini, compreende que é preciso a experimentação do corpo para dar conta das questões da atualidade.
“O fazer intelectual não é suficiente para lidar com a complexidade das questões do mundo global. Boaventura compreendeu essa questão e se colocou como um rapper, dentro do universo do Hip Hop para tentar dar conta das questões da contemporaneidade”, pontuou o autor do Guia Afetivo da Periferia.
Há cerca de três meses atrás, a convite do radialista João Pedro Ruiz, participei de um debate na Rádio Rio de Janeiro (Programa Rio Cultural) , cujo tema era INSPIRAÇÃO.
Na ocasião o apresentador me questionou, se eu acreditava que seria possível para o artista criar obras encomendadas e afirmei categoricamente ser impossível, porque acreditava que limitar ou direcionar o produto final, atrapalharia o processo de criação.
Conhecendo agora os procedimentos, todas as minhas certeza foram por água abaixo e daria uma resposta completamente diferente a mesma pergunta , se a entrevista fosse hoje.
A-do-ro ! ” Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante…”